Simbólico

Este texto é para responder a 2a pergunta da prova final do módulo sobre Lacan, do curso de especialização em Psicanálise. Esta é a pergunta:

O conceito de sujeito do inconsciente está associado ao repertório do campo da fala e da linguagem, a partir dos quais Lacan realiza uma das definições correlacionando Sujeito e Significante, a saber “o significante representa o sujeito para outro significante” (LACAN, 1960c/1998, p. 833). Explicite como Lacan fundamenta o conceito de sujeito associado ao campo da linguagem, costurando a importância do Simbólico e do Inconsciente estruturado como uma linguagem.

E este é o texto de resposta:

Bom, depois de todos os elogios que fiz sobre o texto de Lacan, no seminário um, sobre a “Tópica do Imaginário”, rasguem tudo que escrevi se forem ler os textos do Livro “Escritos” de Lacan. Incrível! Como não encontrei, até agora, um único texto (vou continuar procurando…) que dê pra classificar como amigável neste livro. Para esta resposta, não li nem cinquenta páginas, entretanto, a leitura demorou mais do que o tempo que precisei para ler as mais de cem páginas do texto do seminário um.

Pra não acharem que estou só choramingando, no Escritos de Lacan, vai encontrar pérolas da literatura como esta: “O inconsciente, a partir de Freud, é uma cadeia de significantes que em algum lugar (…) se repete e insiste, para interferir nos cortes que lhe oferece o discurso efetivo e na cogitação a que ele dá forma.” 

Ou, uma proposição algébrica “maluca” como essa:

“Ora, estando a bateria dos significantes, tal como é, por isso mesmo completa, esse significante só pode ser um traço que se traça por seu círculo, sem poder ser incluído nele. Simbolizável pela inerência de um (-1) no conjunto de significantes.”

Desta última ainda sai a definição de um vazio que seria representado pela raiz quadrada de -1, que nem vou comentar, pois ia dar um ataque no coração de todo matemático que lesse este texto 😊.

Mas, vamos lá… tentar deixar a resposta palatável e mais acessível que o texto original. Antes de responder a pergunta propriamente dita, vamos rever alguns termos que são importantes para o contexto.

Significante 

Uma das maiores contribuições de Lacan foi o reconhecimento de que o inconsciente seria estruturado na forma de uma linguagem. Na época de Freud, ainda não existiam estudos muito aprofundados sobre lingüística. Então, pelas descrições de Freud sobre sonhos e o inconsciente, Lacan inferiu que Freud estava tentando expressar, na realidade, que tudo era transmitido e armazenada através de uma símbolos, de uma linguagem.

E aqui, acho que uma forma simples de entender isso seria nos voltarmos para nosso próprio pensamento. Enquanto você está lendo este texto, talvez consiga identificar uma voz na sua cabeça, que aparece “traduzindo” cada palavras que seus olhos estão vendo aqui, para um “áudio” em sua cabeça.

Quando você está pensando e tentando resolver algum problema, este processo não aparece pra você como um filme, ele aparece na forma de uma conversa de você consigo mesmo. Algo como: 

  • Se eu fizer isso, deve acontecer aquilo…
  • Vou tentar esta tal coisa
  • Isso vai dar problema…

Tudo isso é linguagem. É o que permite que seus pensamentos sejam expressados e avaliados, por você mesmo (em um conversa interior) ou por outros (conversa com outras pessoas).

A partir desta descoberta, Lacan começou a rever tudo que Freud escreveu a partir desta nova perspectiva. Para definir o Significante, Lacan se baseou principalmente nas obras de Ferdinand de Saussure.

Então, de forma bem simplificada, o Significante implica em um ou mais significados. O Significante é a palavra em si e a ela podem ser atribuídos múltiplos significados. A velha história da palavra “manga”, que pode ser a manga fruta, manga da camiseta, etc.

Sujeito 

Já discutimos o Significante, então, resta-nos discutir o Sujeito. Para Lacan, o Sujeito é dividido entre a linguagem e o desejo. Ou seja, é o que falta ao sujeito (olha a dialética aparecendo aqui de novo…) e como isso é expressado através da linguagem (afinal, tudo é estruturado na forma de linguagem). 

Ainda me parece uma definição um pouco obscura, do jeito que Lacan gosta 😁. E, se Lacan ia gostar é porque ninguém deve estar entendendo nada… Então, vamos simplificar: Imagine que o sujeito nasceu e passou pelo estádio do espelho, criando o seu imaginário e assim, formou sua personalidade. Começou a estar ciente do vazio que o separa de seu eu-ideal e passou a desejar coisas que podem leva-lo mais perto deste eu-ideal. Tudo isso acontecendo internamente, sem uma única palavra sendo dita.

Se alguém olhar para este sujeito, não fará a mínima idéia do que está passando na cabeça dele. Então, mesmo que este sujeito já tenha alguma noção sobre o que quer da vida e do rumo que quer tomar nela, se ele não colocar isso em palavras (significantes), não vai adiantar absolutamente nada. Se ele não disser ao mundo o porque veio e quais são suas necessidades e intenções, seria como se este sujeito nunca tivesse existido.

Assim, para Lacan, o Sujeito Partido (representado por um S cortado, “S“) é fragmentado em ao menos duas partes, o seu desejo e a linguagem. Vale lembrar aqui, como um parênteses clínico, que em várias situações, a angústia aparece justamente devido a desconexão entre o desejo e a linguagem. Vide o caso do menino Richard descrito por Melanie Klein. Este menino teria um caso de autismo, a evolução do tratamento deste caso vai mostrando a redução da angústia deste menino à medida que Melanie vai apresentando interpretações que vão enriquecendo o “vocabulário” de Richard, para que ele possa elaborar e expressar seus sentimentos. Mesmo que não na forma de palavras, mas de forma lúdica, através de brinquedos.

Então, nosso sujeito é alguém que já tem conhecimento básico de seus desejos e também tem uma forma de se expressar através da linguagem. Esta é a demonstração clara da necessidade do “Simbólico” para Lacan. O Simbólico é justamente a Linguagem, que permite ao sujeito a expressão de seus desejos e demandas, elaboradas com o imaginário.

“O Significante representa o sujeito para outro significante”

Agora, finalmente, podemos chegar à interpretação da frase em destaque. Este foi um jogo de palavras que Lacan usou para representar boa parte de sua teoria. 

Primeiro, precisamos entender que o Significante não tem significado próprio. Ou seja, a palavra por si só, não permite que um significado único seja extraído dela. Ele precisa ser sujeito de um outro significante. Ou seja, ele precisa de alguma outra palavra que a defina. Assim, quando fazemos referência ao significante/palavra “Eu”, não podemos dizer, com certeza, sobre quem estamos falando.

Abstraindo um pouco para demonstrar a teoria de Lacan, este “Eu” sozinho não significa nada. Ele depende de um outro significante/palavra que seja encadeado para que ele possa apresentar um sentido/significado. Aqui vão alguns exemplos:

  • “Eu” sou analista de sistemas –> Profissional
  • “Eu” quando estudo psicanálise –> Aluno 
  • “Eu” fui com minha filha –> Pai

Em cada um destes exemplos, estamos vendo um significado diferente para o mesmo significante “Eu”. Olhando por uma perspectiva psicanalítica, podemos dizer que o Sujeito “Eu” só existe quando está atrelado a algum dos outros significantes que foram anexados a ele na cadeia de significantes. Poderíamos até extrapolar esta percepção para uma mascara do ego que se apresenta de acordo com a necessidade. Quando estamos falando com alguém, precisamos olhar cuidadosamente para quem é o “Eu” está presente naquele momento. Pois, o Eu que está ali, depende do Outro com quem estamos interagindo.

Conclusão 

Como esta é um pergunta de um tema bem confuso, vamos tentar resumir o que foi discutido: Lacan define o sujeito como tendo desejos que precisam ser expressados através da linguagem. O sujeito primeiramente tem sua personalidade(definida pelo seu imaginário); esta personalidade gera desejos e demandas que precisam ser expressas através de significantesque, ao serem encadeados em frases, ganham significados. Este tempo em que o sujeito começa a simbolizar seus pensamentos em forma de linguagem é o momento que Lacan define como “Simbólico“. A parte mais interessante é que existe um processamento interno que vai do desejo inicial até a formação da frase final que é proferida (dê uma olhada na sessão grafo do desejo). Neste processo, existe um “ruído” que pode ser desencadeado pelo inconsiente/Real. Ou seja, o inconsciente também é estruturado na forma de linguagem e ele pode, através de repetições e interrupções, entre outras, interferir na formação desta frase final, expondo às vontades inconscientes no discurso do sujeito (está aí a base da associação livre na psicanálise, mas esta história é pra outro capítulo… ). E a angústia, muitas vezes, é causada pela inabilidade do sujeito em encontrar significantes para expressar o que está sentindo.

Como queríamos definir 😁

1 comentário até agora

Real – ToFelizPublicado em 8:20 am - ago 12, 2024

[…] facilitar a conversa sobre o Real, precisamos entender o Imaginário e o Simbólico. Não vou me alongar muito pois já existe um post para cada um destes termos aqui. No entanto, […]

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