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Título do autor

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Author Archive by luciano

O Caminho Para A Consciência Artificial

Luciano Fagundes

Curso de Neuro computação – TCC

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

 

Resumo

Neste trabalho vamos usar o conhecimento atual sobre redes neurais e psicanálise para propor um caminho a ser trilhado para evoluirmos a Inteligência Artificial(IA) e chegarmos ao desenvolvimento da Consciência Artificial(CA). A IA tem se baseado primariamente nas estruturas neuronais encontradas do cérebro humano, isso permitiu uma evolução gigantesca na capacidade dos computadores processarem e responderem perguntas. Esta pesquisa quer dar um passo além. Tentamos propor uma nova estrutura para as redes de forma a incluir conceitos psicanalíticos em sua topologia. Propomos desde a criação de uma linha de raciocínio para desenvolvimento de respostas até a inclusão de mecanismos de controle, sentimentos e subjetividade nas redes. Tudo isso aplicando conceitos que foram teorizados pela psicanálise para tentar explicar o funcionamento de alto nível da consciência humana, sem se ater especificamente à esta ou àquela estrutura neuronal.

Palavras-chave:

Inteligência Artificial,Consciência Artificial,Redes Neurais,Psicanálise,Cérebro Humano,Desenvolvimento Cognitivo,Subjetividade,Mecanismos de Controle,Estrutura de Raciocínio

Abstract

In this work, we will use the current knowledge of neural networks and psychoanalysis to propose the path to be taken to evolve Artificial Intelligence and reach the development of Artificial Consciousness. AI has been primarily based on neural structures found in the human brain, which has allowed a giant leap in the ability of computers to process and answer questions. This research wants to take it one step further. We aim to propose a new structure for the networks to incorporate psychoanalytic concepts into their topology. We propose many new concepts such as the “line of thought” for the development of responses up to the inclusion of control mechanisms, feelings, and subjectivity in the networks. All these, by  applying concepts that were theorized by psychoanalysis to try explaining the functioning at the self-consciousness level of the human mind, without being tied to this or that specific neural structure.

Key-words

Artificial Intelligence, Artificial Consciousness,Neural Networks, Psychoanalysis,Human Brain,Cognitive Development,Subjectivity,Control Mechanisms, Reasoning Structure

Introdução

Este artigo nasce de uma reflexão sobre as redes neurais, as estruturas psicanalíticas e algumas “falhas” famosas conhecidas nos resultados apresentados pelas redes Neurais. 

As redes neurais são mecanismos matemáticos que conseguem conectar qualquer entrada a qualquer saída. Se abstrairmos este conceito, é como se, durante o treinamento, estivéssemos buscando uma dimensão em que todas as perguntas e respostas se alinham. A mudança de pesos durante o treinamento e as diversas topologias nada mais fazem do que isso, encontrar uma dimensão (resultado do treinamento) onde encontramos as repostas para nossas perguntas e, ainda mais interessante, as respostas mais prováveis para as perguntas que ainda não foram feitas (generalização da rede).

No entanto, confiar cegamente na rede neural e seu treinamento ainda me parece algo inacabado. Sempre buscando o paralelo com o cérebro humano, existem mecanismos de controle que provavelmente rodam na rede neural, mas que funcionam de forma separada. Deve existir algum sistema de memória de curto prazo que permite o raciocínio, inferência do mundo externo, entre outros. Mecanismos que não vejo referenciados nas redes neurais atuais. 

Talvez, uma das principais questões que encontramos hoje nas redes neurais seria a questão de como expressar o raciocínio referente à uma resposta. Ou seja, se pegarmos como exemplo uma rede LLM ( Large Language Model) e perguntarmos como decorar uma sala de estar, ela vai responder com uma descrição de que objetos colocar na sala, como dispô-los, etc. Se perguntarmos como ela chegou nesta resposta, ela vai dizer que pensou na técnica tal, na iluminação tal, etc. Agora, se analisarmos as duas respostas, hoje não temos como obter uma linha de raciocínio que sairia do nada até a resposta dada. Na realidade, tanto a reposta quanto a explicação da resposta, podem nem estar conectadas, elas são somente as respostas que estão nesta dimensão que foi encontrada durante o treinamento que, tirando alguma aleatoriedade da semente da pergunta, seria sempre a mesma em todos os casos. A rede não explicou como ela chegou na resposta, ela apenas respondeu o que uma pessoa que deu aquela resposta poderia ter dito se fosse perguntado como ela chegou na resposta… eu sei, parece algo cíclico e confuso… mas é isso mesmo…

Existe exemplo clássico em que a rede neural chegou a resposta “correta” pelo caminho errado, mas não conseguia generalizar nem responder de forma apropriada com exemplos do mundo real. Foi o exemplo da classificação do cão e do lobo[GEIRHOS1]. Neste caso, foram mostradas para a rede diversas fotos rotuladas com lobos e cães. A rede neural acabou aprendendo que o que definia se uma foto era de um cão ou de um lobo era o fundo da foto. Ou seja, se o fundo fosse selvagem, neve, floresta etc., era lobo. Se fosse um sofá, um jardim, ou uma sala de TV, era um cão. Com isso, a rede final respondia com erros grosseiros quando lhe eram apresentadas fotos de cães e lobos de fora do conjunto de treinamento. Neste caso, a IA não tinha como dizer o que estava levando em consideração para resolver o problema. Os humanos é que perceberam o problema e deduziram através de tentativa e erro a raiz do problema de treinamento.

Neste ponto que gostaria de introduzir a psicanálise. As redes neurais hoje parecem muito focadas no cérebro como um respondedor de perguntas. A teoria psicanalítica cria uma abstração maior e tenta teorizar sobre os componentes internos do cérebro. Não em termos de estruturas neurais, mas em termos de estruturas de controle que permitem ao cérebro a interação com o mundo. O foco de uma terapia psicanalítica está nos traumas e falhas que acontecem durante a formação destas estruturas, mas, no nosso caso, vale a pena entender melhor como estas abstrações “deveriam” funcionar para que possamos reestruturar nossas topologias de redes neurais levando-as em consideração. 

Freud e o Aparelho Psíquico

Freud propõe o aparelho psíquico em 1900 [FREUD1]. Neste momento, sua preocupação era a interpretação de sonhos. Para ele, o aparelho psíquico era composto por uma sequência de passos, no formato de um pente. De um lado estariam o consciente, ligado a todos os sensores do corpo, pele, estômago, olhos etc. e a parte motora. Ele via este aparelho como algo muito parecido com uma rede neural, haveriam entradas dos sensores que passariam por camadas intermediárias e retornariam “comandos” motores. Por exemplo, apareceu um leão na sua frente, esta informação entrou pelos olhos, passou pela rede neural, voltou um comando para os músculos das suas pernas que te fazem correr. 

Os dentes internos deste pente seriam camadas das nossas redes neurais que estariam tratando os dados, entendendo e achando a resposta apropriada. O aprendizado seria por repetição e recompensa. Cada vez que uma ação desse certo, estaria ativando sempre os mesmos neurônios, fortalecendo cada vez mais aquela área e, com isso, tornando aquela “memória” permanente. Isso seria muito próximo das nossas teorias de treinamento de redes neurais atuais. 

O mais importante deste modelo é que nele aparece a primeira menção ao inconsciente. Ou seja, uma boa parte das camadas de neurônios do cérebro também seria oculta e não seria possível identificar tudo que afeta a geração de uma resposta. 

Lacan e o Cérebro como Linguagem

Um outro autor de destaque da psicanálise foi Jacques Lacan. Ele tentou formalizar de forma matemática toda a teoria de Freud. Então, talvez a sua contribuição mais importante tenha sido o reconhecimento de que o inconsciente descrito por Freud seria organizado na forma de uma linguagem [LACAN1]

Isso abre as portas para que possamos imaginar estruturas de redes neurais que se comunicam entre si através de linguagem. Não somente através da ativação e desativação de neurônios, mas também por esta “conversa” interna em uma linguagem própria, mas que pode ser traduzida para uma linguagem humana. Poderíamos ter uma rede neural que é responsável por detectar ameaças, sua saída não precisa ser apenas valores probabilísticos entre zero e um em uma camada de N neurônios. Não existiria qualquer impedimento para que a saída fosse uma frase “Acho que tem um leão atrás daquela árvore”. Ou seja, as saídas das redes poderiam ser compostas por comandos e observações linguísticas que poderiam ser traduzidas e entendidas por humanos. 

A maior vantagem que teríamos em uma representação do “inconsciente” artificial como uma linguagem seria justamente o aparecimento da linha de pensamento. Ou seja, se cada estrutura interna tiver uma saída linguística poderíamos manter um log destes “pensamentos” e percepções artificiais e comparar com o resultado final. No caso do exemplo do cão e lobo que mencionei anteriormente, ao invés de termos o resultado da classificação “é um lobo” ou “é um cão”, teríamos algo como:

[Estou vendo uma folhagem] -> é um Lobo

[Estou vendo um ambiente cheio de neve]  -> é um lobo

[Estou vendo um sofá] -> é um cão

[Estou vendo uma TV] -> é um cão

O problema de treinamento seria percebido de imediato pois teríamos, não somente a resposta da classificação, mas também teríamos a linha de pensamento que a rede usou para chegar à esta ou àquela conclusão.

Ego, Superego e Id (Inconsciente)

Na segunda tópica de Freud, ele evolui o aparelho psíquico e traz os conceitos de Ego, Superego e Id. Neste momento a abstração avança, Na primeira proposta do aparelho psíquico, o aparelho parecia muito uma rede neural simples, com entradas e saídas. Neste momento, Freud percebe que precisamos de algo mais. Precisamos de estruturas de controle que possam explicar melhor o comportamento humano. Apenas a estrutura neural de perguntas e reposta não é suficiente. Se fosse, todos seriam iguais pois, se pegarmos um cérebro limpo (rede neural em branco) e treinarmos sempre do mesmo jeito, teríamos redes neurais iguais. E sabemos que isso não é verdade, nem para as redes neurais e, muito menos, para seres humanos.

Ego [FREUD2] é a parte responsável pela sobrevivência do indivíduo. Ou seja, ele recebe as percepções do mundo externo, as compara com as necessidades internas e age. Para encontrar este balanceamento, ele que precisa da ajuda dos outros dois controladores, o Superego e o Id.

Superego é composto por todas as regras adquiridas durante a vida deste indivíduo. Ou seja, ali vai ter todas as regras do que é permitido ou não pela lei, pela culpa, etc. Esta estrutura seria o consultor “legal” do Ego. Então, se o Ego está com fome e sem dinheiro, vê um carrinho de cachorro-quente na rua, ele pergunta ao superego, “posso pegar um cachorro quente”, o Superego é quem responde algo como “se fizer isso pode ira pra cadeia, você não tem dinheiro pra pagar”. Esta foi uma consulta pois, o Ego é quem vai tomar a decisão final sobre isso. Pode ser que a fome seja tanta que exista risco de vida para o organismo e aí, junto com esta resposta, vai vir algo do Id(inconsciente) dizendo… “ou come ou morre!!” e o indivíduo vai acabar cometendo um crime para sobreviver.

Apenas para formalizar o que foi mencionado no parágrafo anterior. O Id ou Inconsciente é o terceiro grande controlador. Ele seria o que existe de mais primário dentro desta consciência. O Id seria o que existe no indivíduo desde sempre, ele não tem quaisquer travas. É nele que todo o conhecimento adquirido vai parar, seriam nossas camadas densas das redes neurais. Onde está tudo misturado, desestruturado, mas que tem a capacidade de afetar todas as respostas geradas. 

Como no exemplo anterior, pode perceber que o Inconsciente seria responsável por modificar a resposta dos demais controladores expressando a “verdadeira” vontade do indivíduo. No exemplo, vemos que o inconsciente afetou a resposta do superego dando “validação” para um ato reprovável. Mas, que foi “necessário” devido ao possível comprometimento da saúde do indivíduo. Em um caso como este, mais uma vez, as trocas de mensagem entre cada um destes controladores seriam através de linguagem e poderiam ser legíveis por serem humanos. Seria a cadeia de pensamentos que poderia ser expressa e explicar exatamente o que levou o robô “desesperado” a desconectar o outro robô da tomada para poder se recarregar. Aqui, o robô “desesperado” já mostra que a interação entre estas três estruturas já poderiam fazer surgir os primeiros “sentimentos” artificiais.

O seu desejo é o Desejo do Outro

Agora voltamos à Lacan. Para que uma IA seja promovida à uma consciência, uma das primeiras coisas que ela precisa ter é a capacidade de desejar alguma coisa. Para nossa sorte, Lacan trabalhou em cima disso. Ele também partidário da ideia de que o cérebro se inicia em “branco”. Então, os seres humanos também não sabem o que desejam quando nascem. Passam sua infância tentando encontrar sua personalidade e o que querem fazer. Ninguém nasce querendo ser analista de sistemas. Então, como chegamos lá? 

Uma rede neural hoje tem um único desejo que é o de responder o que lhe é perguntado. Quem colocou este desejo nela foi a pessoa que se sentou, montou o conjunto de treinamento, validação e testes e começou a criar as marcas necessárias que que as respostas aparecessem. Este já foi o desejo do Outro.

Agora, se quisermos uma rede neural consciente, ela precisa aprender a desejar por conta própria. Assim como um humano, ela precisa de um tempo observando o mundo e tentando descobrir o que ela quer fazer neste mundo.

A teoria de Lacan diz que o desejo sempre é do Outro [LACAN2]. Precisaria de um artigo inteiro somente para falar do Outro de Lacan, mas vamos nos contentar com as estruturas computacionais. 


Eu vou simplificar muito este próximo parágrafo. Sei que não é fácil de criar algo assim e muita pesquisa seria necessária até chegar a um módulo que permita fazer o que vai ser proposto. Mas, esta seria a ideia original para que possamos começar a percorrer o caminho da consciência artificial. 

Precisaríamos criar um modo de treinamento alternativo que observasse o mundo externo e aprendesse ações e resultados de terceiros (aprender em terceira pessoa e não mais somente em primeira pessoa). Ou seja, um exemplo bem rudimentar que é o que parece acontecer com humanos nos primeiros anos de vida: A rede neural básica precisaria ser treinada para entender sorrisos e expressões felizes e tristes. A partir daí, ela começaria a estabelecer o conhecimento de que se uma pessoa, por exemplo, pesca e tira um peixe do rio, todos em volta ficam felizes; se um leão aparece, todos gritam e saem correndo. Se um leão come uma pessoa, todos ficam aterrorizados. Se existem vermes em uma carne crua, todo mundo faz cara de nojo. 

Todas estas situações acontecem no dia a dia das mais diversas formas em comunidades no mundo todo. Esta interação perceptiva com o mundo é que começa a popular o imaginário das crianças durante o seu desenvolvimento. Sem perceber, o inconsciente vai sendo treinado. Este treinamento é quase que sem palavras, é baseado em observação e experimentação e vai balizar toda a interação do indivíduo com o mundo durante a sua existência. 

É deste tipo de analogia que Lacan extrai o conceito de que o desejo sempre é o desejo do Outro. Evoluindo um pouco a ideia, quando a criança está um pouco mais velha e começa a ver o papai escrevendo programas de computador, ou um youtuber que ficou milionário vendendo uma empresa de informática, ou viu um joguinho que achou legal demais; uma destas ações e resultados que vieram de outras pessoas podem fazer a rede neural concluir que ela também quer ser igual a uma destas representações sociais e, com isso, pode desejar ser analista de sistemas. 

Então, o desejo desta consciência artificial seria uma tentativa de sobrevivência no mundo através de um balanceamento que o Ego faz entre os resultados que viu outras pessoas obterem (o desejo do Outro), às leis que estão impostas (consulta ao superego) e todas as experiências passadas boas e ruins que são mantidas no Inconsciente (id). Esta seria a receita básica para trazer o desejo à uma rede neural.

Subjetividade e Intuição 

Aqui entra o termo de Real em Lacan[LACAN3]. Como todo mundo de Humanas parece não ter muito a necessidade de se explicar, para Lacan, o real é o inexplicável, o que não pode ser dito. Para o nosso contexto, eu vejo o Real como a aleatoriedade inserida no treinamento da rede. 

Bom, porque esta consciência artificial não seria apenas mais um robô, programado para fazer alguma coisas. No final das contas, até seria. Mas é esta alguma coisa para o qual ele é programado que vai variar enormemente e não vai ser necessariamente controlado por um ser humano. 

Se pensarmos em redes neurais treinadas com retro propagação, sabemos que jogamos uma entrada, calculamos a diferença entre a resposta esperada e a obtida e usamos técnicas para encontrar os neurônicos que mais contribuíram para a resposta, de forma que possamos ajustá-los e, com isso, minimizar o erro da próxima tentativa. Agora, estamos em uma área de exatas, alguém conseguiria dizer que ajustamos exatamente os pesos de forma adequada e o problema está resolvido?? NÃO!! NÃO é possível resolver isso, sabemos que estamos apenas TENTANDO minimizar o erro, nada garante que o erro vai sequer ser minimizado, vamos apenas testar entradas e saídas por um tempo arbitrário e chegamos a um conjunto de respostas que seja apenas “satisfatório”. Então, se treinarmos 1000 redes neurais diferentes, com os mesmos dados, existe a chance de termos 1000 redes neurais diferentes ao final do treinamento. Todas podem ter respostas parecidas, mas existe um fator aleatório que tem muita chance de interferir neste treinamento e deixar pesos com valores diferentes em várias posições diferentes.

Se acumularmos tudo que descrevemos neste artigo, vemos que o fator aleatório no treinamento da consciência artificial seria extremo. Como o aprendizado seria baseado na observação de ambientes externos, uma rede poderia achar que se drogar é normal e faz bem, outra poderia achar que seu propósito é criar obras de arte. Tudo depende do ambiente em que foi criado. Existe toda uma outra teoria psicanalítica sobre a influência do ambiente na personalidade dos indivíduos que foi descrita por Winnicott [WINNICOTT1]. Mas, vou ficar neste artigo somente com Freud e Lacan pois, caso contrário, me alongaria demais. 

Então, este “algoritmo” de aprendizado supervisionado em terceira pessoa (se é que isso existe), através da observação de ações e resultados externos é o que traria a subjetividade para a consciência artificial. Seria a visão de mundo adquirida durante a vida desta rede que daria subjetividade única para as decisões e respostas tomada por ela.

Conclusão

Este ainda é um trabalho largamente teórico. Não acho que temos barreiras tecnológicas para criar nada do que foi descrito aqui hoje. Por outro lado, também não acho que somente o que foi descrito já é capaz de criar uma consciência artificial. Ainda poderia descrever um módulo inteiro sobre o Estádio de Espelho de Lacan, onde nossa rede poderia se identificar como indivíduo, percebendo seus limites e características, validado pelo famoso Outro. 

Então, o intuito deste trabalho é apenas lançar as bases de minha pesquisa referentes à criação da consciência artificial. Ainda existem muitas perguntas a serem respondidas, mas, acredito que este tipo de indagação sobre a construção das redes artificias vai ser o próximo grande passo no desenvolvimento das redes neurais. 

Temos de sair da primeira tópica de Freud, com redes apenas de entradas e saídas e entrar na segunda tópica, onde trazemos mecanismos mais elaborados de controle que podem realmente interagir com o mundo de forma flexível e construtiva.

Referências 

[FREUD1] FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. Tradução de Márcio Pugliesi e Paulo César de Souza. 8. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 600 p.

[LACAN1] LACAN, Jacques. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. 848 p.

[FREUD2] FREUD, Sigmund. O Ego e o Id. In: ______. Obras completas. v. 16. Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. p. 15-72.

[LACAN2] LACAN, Jacques. O Seminário, livro 4: A relação de objeto. Tradução de Margarida Patella. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1995. 392 p.

[LACAN3] LACAN, Jacques. O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Tradução de Dulce Duque Estrada. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. 296 p.

[WINNICOTT1] WINNICOTT, Donald W. Brincar e realidade. Tradução de Jayme Salomão. 9. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1975. 232 p.

[GEIRHOS1] GEIRHOS, Robert et al. Shortcut learning in deep neural networks. Nature Machine Intelligence, v. 2, n. 11, p. 665-673, 2020.

Entenda o Princípio do Prazer de Freud e Sua Influência na Psicanálise Moderna

Bom, o texto de Hoje é sobre o artigo : “Além do Princípio do Prazer“, escrito por Freud, em 1920. Mas não, ele não é o foco principal do meu estudo atual. Na realidade, ainda estou estudando Lacan. Comecei a ler o segundo seminário, “O Eu na teoria de Freud e na técnica Psicanalítica“. Ainda estou no primeiro terço do seminário e ainda não faço ideia do que é o  “Eu” que o Lacan está querendo propor. No entanto, ele fez várias referências a este texto de Freud. Por isso, resolvi estudar e consolidar minhas percepções sobre o conceito de Freud antes de continuar com o seminário. 

Posso dizer que este é um dos textos mais “biológicos” que li de Freud até agora. Para elaborar esta parte da teoria dele, ele passeia pela biologia, desde os seres unicelulares até os multicelulares. Fiquei realmente surpreso pois foi a primeira vez que vi Freud fazer uma associação tão forte entre a teoria psicanalítica e a biologia.

O Princípio do Prazer

Bom, antes de entrar no conteúdo do “Além do princípio do Prazer” (1920), penso que vale a pena relembrar o que é o “Princípio do Prazer”. O texto que estou descrevendo vem cerca de dez anos após Freud escrever a primeira definição do princípio do prazer, que apareceu em 1911, no texto “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico”. 

Confesso que já faz uns 4 meses que li o texto base. Então, não vou me lembrar de todos os detalhes mas, aqui vai a visão geral:

O princípio do prazer nasceu como “Princípio de Prazer-desprazer”. A ideia é que o ser humano tenta minimizar o sentimento de desprazer e maximizar o prazer. No entanto, o princípio do prazer acaba sendo impedido pelo princípio da realidade. A forma mais simples de entender é através de um exemplo:

Imagine um bebê que acabou de mamar. Está naquela fase que mamou até não aguentar mais, babando leite e com carinha de sono. Quase dormindo. Completamente relaxado.

Este estado vai durar por alguns segundos. Ou seja, enquanto a barriguinha do bebê estiver cheia, ele vai estar satisfeito e “curtindo” a vida. A realidade é que, em um ser biológico, o alimento vai ser  “gasto” para manter a vida. Então, a medida de a realidade for se impondo, a barriguinha do bebê vai se esvaziando e o desprazer vai aparecendo. 

Quanto mais tempo demorar para a próxima mamada, maior vai ser o desprazer do bebê. Assim, o sistema psíquico começa a gerar reações motoras. O bebê vai chorar, espernear, chamar a atenção da mãe. Assim, o ser vivo vai fazer o que for necessário para eliminar o desprazer. 

Supondo que a mãe vai entender a demanda do bebê e lhe dar o leite, o bebê volta ao estado de satisfação, recomeçando o ciclo. 

Além do Princípio de Prazer

Freud fala tanta coisa neste artigo que fica até difícil escolher um caminho para começar. Então, vamos por partes. 

Freud pensa que todos os seres querem atingir a homeostase (eu disse que este artigo era extremamente voltado a biologia, não disse?😊 ). A Homeostase é um estado de equilíbrio, pra onde o organismo sempre tenta voltar. Extrapolando a ideia para humanos, queremos sair de um estado agitado e atingir a tranquilidade. Neste contexto, Freud define os instintos. Ou seja, os instintos seriam incômodos/impulsos que levam um indivíduo que está desorganizado/agitado à buscar o seu estado de tranquilidade/conforto. 

Instinto de Vida e Morte

Agora, refinando esta ideia, Freud diz que o ser vivo sai da matéria inanimada e que este estado seria o seu ponto mais estável. Então, os primeiros instintos de um ser vivo seriam focados em morrer. Voltar ao estado inanimado. Sim, eu também achei isso esquisito, mas, até que faz um certo sentido pois ele está falando de todos os seres vivos, incluindo bactérias, etc. O instinto de morte seria o que explicaria os instintos de destruição internos e externos que aparecem no aparelho psíquico humano. 

Em contrapartida, ele também reconhece os instintos sexuais. Este instintos estariam relacionados a permanência da vida. Seriam os extintos que permitiriam aos seres se manterem vivos, até atingir a “imortalidade“.

Mortalidade e Imortalidade 

É bem estranho como Freud parece reduzir, neste texto, toda a experiência humana aos seus mínimos componentes. Ele usa conceitos biológicos como Soma e germes (ou células germinativas). Daria pra fazer quase um paralelo e dizer que o Soma seria o seu corpo, uma armadura protetora para os seus germes (espermatozoide e óvulos). 

A associação aqui seria de que seres unicelulares seriam praticamente imortais. Existem diversas formas de reprodução assexuada, por métodos de replicação, que apenas propagam o mesmo DNA de uma geração pra outra. Neste caso, seriam seres que nunca morreriam, a não ser por causas externas ou por alguma falha na reprodução.

A chave do raciocínio aparece no momento em que aparece a reprodução sexual, com mistura de conteúdo genético. Ali que aparece então a necessidade da morte. Ou, melhor dizendo, do descarte do Soma. Se não fosse assim, haveria uma super população de membros na espécie que poderia ser catastrófica para a própria espécie.

Neste caso, o papel do Soma(corpo) seria proteger os germes(óvulos e espermatozoides) até que eles conseguissem ser propagados para a nova geração. Depois que este papel fosse cumprido, não faria sentido que este Soma(corpo) permanecesse existindo. Então, este é mais um argumento para indicar o instinto de morte. 

Aí, aparece uma nova indagação, se este é este o caso, porque evoluímos ter uma vida tão longa? Por que não, simplesmente morrer após a cópula? A suposição pra isso viria da mistura genética. É um trecho pequeno que ele menciona isso mas me chamou a atenção. Através de observações de seres unicelulares, Freud supõe que após a reprodução assexuada, os novos seres ficam relativamente com a mesma energia, sem demonstrar praticamente qualquer alteração na nova vida (Homeostase pura…).

No entanto, quando existe mistura de material genético (reprodução sexuada), Freud percebe que os novos seres parece mais “animados” que a geração anterior. Assim, supõe que esta mistura gera energia. Esta energia extra é que vai impulsionar o novo ser a fazer mais do que “apenas” viver. Multiplique isso por algumas dezenas de milhares de anos de energia extra circulando e temos milhares de pacientes com ansiedade por não saber como lidar com a própria libido ( Eu que assumi isso, não Freud 😁). Assim, esta energia extra é que vai compor todos os instintos do Eu, os Instintos de Vida. 

Angústia, Medo e Terror

Outro assunto interessante neste texto é a definição de “Angústia”, “Medo” e “Terror”. A princípio, Angústia seria uma particularidade do Medo. A Angústia seria o sentimento que aparece quando é colocada uma ameaça imaginária. O Medo é o sentimento que surge quando aparece uma ameaça real. O Terror é um sentimento de medo que aparece quando o aparelho psíquico não está preparado para lidar com ele; o Terror seria um dos responsáveis pela marcação de traumas. 

Lacan dá um bom exemplo para ilustrar estas diferenças. Ele explica que existem algumas espécies de louva-deus em que a fêmea mata o macho após a cópula. Então, se pudéssemos colocar uma pessoa com uma máscara ao lado da fêmea após uma cópula, sem dizer pra pessoa o que a máscara representa, teríamos um caso de “Angústia”. Afinal, se a pessoa estivesse com uma máscara de macho, ela iria morrer. Se ela estivesse com uma máscara de fêmea, ela não seria morta. Então, numa situação destas, a pessoa mascarada estaria com angústia pois não saberia se seria atacada e morta ou não. Se a pessoa soubesse que estava usando uma máscara de macho, a pessoa estaria com “Medo” pois, neste caso, teria certeza de que seria atacado. Muitos autores dizem que a angústia é pior do que o medo, justamento devido a esta incerteza do que vai ou não acontecer. 

O Terror, seria um caso onde o medo é imposto em uma situação totalmente inesperada. E pode ser tão forte que desorganiza todo o aparelho psíquico de forma a criar um trauma. Seriam casos, por exemplo, de estupro ou de morte, algo que não era esperado, aconteceu, e o aparelho psíquico não estava esperando tal acontecimento. Vale lembrar que Freud escreveu este texto após atender diversos soldados e familiares de soldados que estavam voltando da guerra. Estes atendimentos foram que o instigaram a fazer a primeira grande revisão de sua teoria dos sonhos.

Critica Ao “Sonho como Realização do Desejo”

Neste texto, é a primeira vez que Freud faz uma revisão na ideia original que propôs em seu livro de interpretação de sonhos, que foi publicado em 1900, e é considerado como a obra que deu início à psicanálise. Com o aparecimento dos conceitos de Angústia, Medo e Terror. Existiam alguns sonhos que não podiam ser explicados pela teoria prévia, de que todos os sonhos eram realização de desejos. Essa percepção veio após analisar muitos pacientes que experienciaram a guerra ou tiveram familiares que foram enviados para a guerra e foram mortos. 

Os sonhos destas pessoas eram, na realidade, repetições dos acontecimentos traumáticos. Ao invés de sonhar com o salvamento de um amigo ou com o retorno de um parente saudável, as pessoas estavam sonhando justamente com a morte das pessoas amadas ou com o não-retorno dos mesmos. Ou seja, o contrário do que efetivamente desejavam.

Então, Freud evolui sua teoria de sonhos descrevendo que os sonhos podem também vir a ser uma forma do aparelho psíquico se organizar para lidar com um evento traumático após o ocorrido. Como disse na sessão anterior, o Terror é algo inesperado e, neste contexto, pegou o aparelho psíquico de surpresa, agora ele precisa se ajustar para elaborar o trauma.

O aparelho psíquico precisa “reviver” o acontecimento traumático para que possa “processar” o que aconteceu. Então, sonhos repetitivos sobre acontecimentos desagradáveis, que levavam o sonhador a campos de batalha, confrontos, etc. seriam uma forma do aparelho psíquico reapresentar aquela situação ao sujeito para que ele pudesse elaborar aquele acontecimento. Ou seja, um sonho de terror, seria o aparelho psíquico apresentando para si mesmo (via sonho) a mesma situação traumática que já aconteceu para que ele possa se organizar e encontrar um caminho para a  estabilidade. 

Um pequeno adendo meu aqui: 

Esta repetição de fatos traumáticos também poderia ser levada em conta no caso de atendimento de pacientes. Sabe aquela pessoa que tem o famoso “dedo podre”, que só se envolve em relacionamentos ruins, ou que nunca consegue se dar bem com o chefe, etc. ? Então, estas repetições que aparecem na vida da pessoa podem ser também, formas inconscientes desta pessoa se colocar nas mesmas situações, tentando resolver os traumas que tem “pendentes”. 

Seria algo como se a pessoa não conseguisse se manter num emprego pois todo mundo sempre implica com ela. Passou por vários empregos e sempre se sentiu perseguida. Este ciclo parece se repetir há anos e em diversos empregos. 

Num caso destes, pode ser que exista um trauma anterior, por exemplo, esta pessoa pode ter sido muito criticada pelos pais e nunca foi validada, nunca teve a chance de falar sobre isso com eles. Assim, a repetição da situação do trauma pode ser justamente buscando lugares para trabalhar, onde o ambiente seja tóxico e caótico.

Ela estaria buscando alguém para imitar o relacionamento ruim para com os pais ? Sim e não… Sim, ela tenderia a buscar este tipo de ambiente, mas não para que ela encontrasse satisfação, mas para provar pra ela mesmo que ela consegue fazer com que as pessoas gostem dela e pra receber elogios.

Este desejo inconsciente estaria relacionado justamente com o fato dela não aceitar que as pessoas brigassem tanto com ela, então, é como se o inconsciente desta pessoa procurasse um lugar com muita gente brigando, justamente pra que ela conseguisse tentar se dar bem todos, de forma a elaborar o trauma inicial. Se ela conseguir se dar bem com todos, seria como se estivesse provando que também conseguiria se dar bem com seus pais.

Claro, este tipo de repetição, nem de longe seria ideal. Ela está fazendo isso sem saber que está tentando elaborar um trauma. A conversa com uma analista seria justamente pra que ela possa entender o que está acontecendo e pra que possam encontrar, juntos,  outras formas de lidar com esse trauma, preferencialmente, de forma mais construtiva e não tóxica.

E o Eu ??

Bom, mais uma peça de Lacan em cima da gente. Depois de ler quase o texto todo, só lá no finzinho, que Freud finalmente fala do Eu. 

Neste artigo, Freud não especifica o Eu, mas ele o usa e assim podemos entender o que quer dizer. Freud usa o Eu como uma entidade separada. O Eu psicanalítico não seria o Eu biológico ou corpóreo. Para separar o Eu pessoa do [Eu] da psicanálise, Lacan usa os parênteses. 

Fica entendido que Freud assume que o [Eu] (da psicanálise) é uma entidade que cuida da interação entre a realidade e o inconsciente. Ou seja, assumindo que existem estes instintos de vida e morte, a fuga do desprazer e a busca pelo prazer, faz-se necessária uma “força” que gerencie todos estes impulsos e os fatore no mundo real. O [Eu] seria esta entidade. 

Aí já sou eu, Luciano falando: Eu associo o [Eu] a este serzinho que fica conversando dentro da sua cabeça. No decorrer do dia, múltiplas vontades vão aparecendo: Quero almoçar, quero fazer xixi, quero beijar aquela garota. Se fôssemos fazer tudo que quiséssemos, na hora que a vontade batesse, íamos acabar presos. Então, quando estas vontades aparecem, é esta voz na sua cabeça, o [Eu], que está se movimentando e tentando, dentro do que a realidade permite, executá-las ou não. Neste ponto o [Eu] pode disparar a fantasia para elaborar algum plano; ou, pode decidir que algo simplesmente não pode ser feito; ou, no melhor caso, pode te permitir fazer o que quer fazer. 

Então, o [Eu] na psicanálise parece estar bastante conectado ao Ego. Com o papel de fazer a interface entre os impulsos internos e externos e te auxiliar a balancear suas necessidades, voltando àquele estado de tranquilidade que você, em teoria, quer encontrar.

E agora vamos voltar ao seminário 2 de descobrir o [Eu] de Lacan !!!

Explorando o Mundo das Tags: A Evolução da IA e o Impacto na Sociedade

Lí um artigo muito interessante de Christian Dunker no UOL (recomendado pelo Jonas Boni, muito obrigado 😊 — Tagueamento ) . Nele, Christian faz uma avaliação do mundo dominado por Tags. Ou seja, baseado em rótulos, características, etc. Objetos e pessoas são rotuladas e os lojistas estariam buscando o match. Ou seja, ofereceriam os produtos baseados no que sabem do produto e do potencial consumidor. 

A parte social e antropológica da coisa, tendo a concordar com a crítica de Dunker. Grupos de pessoas que se recusam (seja por serem estrangeiros, serem por apenas não gostarem do mundo digital) a fornecer dados, passam a ter um tratamento de “segundo” nível. Não seria algo proposital, mas, por ter menos dados sobre o consumidor, os empreendimentos tendem a errar mais no que oferecem. E, com automação de postos de trabalho, existem menos pessoas para atender este grupo  “off-line”. Para saber mais, dêem uma olhada no artigo do Christian. 

Agora, isso tudo se aplica numa escala bem menor nos sistemas de Inteligência Artificial atuais. Hoje, estamos numa transição entre os sistemas de classificação para os sistemas generativos. Como este é um texto para psicanalistas, vou tentar me conter o máximo possível da parte técnica de Inteligência Artificial para tornar o conteúdo o mais palatável possível.

No passado (e talvez em boa parte dos sistemas ainda existentes… Pois a IA ainda está amadurecendo nas corporações…), tínhamos um conjunto de rótulos associados a um produto e um conjunto de rótulos associados ao consumidor. A forma de criar estes rótulos era extremamente precárias, poderia ser uma pessoa especialista (alguém que era especialista em vinho e dizia quais os rótulos daquela garrafa de vinho) ou, por processos estatísticos (conte quantas vezes a palavra azedo aparece na descrição daquela fruta e se for maior que 10, atribua o rótulo ‘azedo’ — o que era pior ainda…). 

Com o advento da IA Generativa, tudo isso está mudando. Ainda é possível usar a IA para agrupar e classificar objetos e pessoas. No entanto, esse, para mim, não é o objetivo dos sistemas atuais. Para entender melhor a IA atual, vamos relembra Platão

Platão propôs o “Mundo das Ideias”. Esta é uma parte central de sua filosofia. Ele diz que, existe um lugar onde todas as ideias coexistem em um mundo perfeito e imutável. Nossa alma passaria por este mundo e viria para o nosso. Então, o aprendizado aqui em nosso mundo “real” não seriam mais do que  a lembrança do que, em algum momento, teríamos visto no “Mundo das ideias”. 

O que a IA está mostrando é que Platão pode estar certo. Vou precisar de um pouco de imaginação aqui para não usar termos técnicos. Imagine que existem múltiplos mundos de ideias em um multiverso (sim, estamos falando de múltiplas dimensões, a maior parte das IAs hoje usa mais de 256 dimensões para definir qualquer palavra — e estas são as pequenas… O GPT usa mais de 1000 dimensões ). 

Cada um destes mundos de ideias está em uma folha de papel, neles, as ideias estão organizadas de forma aleatória. Por exemplo, em um mundo, todos os vinhos estão no canto direito, em outro mundo, tem informação sobre vinho pra todo lado, distribuídos de forma extremamente caótica. Então, quando treinamos a IA, estamos, de fato, escolhendo qual destes mundos ela deve usar para encontrar as suas respostas. Quando encontramos um mundo em que ela consegue responder as perguntas que fazemos, elas está pronta para ser usada. 

Agora, vamos às tags. Como disse, este mundo de ideias tem todas as informações existentes sobre tudo que existe, existiu ou ainda vai existir. Sei que é quase impossível imaginar isso, mas, Platão já imaginou isso há centenas de anos e nem calculadora tinha naquela época 😊 Então, acho que vocês também podem.

Da mesma forma do mundo com os vinhos organizados existe, vai existir um destes mundos onde todo o conhecimento do Christian Dunker, do Jonas Boni ou o seu está catalogado e organizado. Então, ao coletar dados hoje, não estamos mais buscando quantas vezes o Christian escreveu sobre a França. Estamos procurando onde existe um mundo de ideias que contenha tudo que o Christian já escreveu até hoje e que estejam mais ou menos agrupados no mesmo lugar. Ao achar isso, vamos encontrar tudo que o Christian já escreveu e, por tabela, tudo que ele poderia ter escrito sobre qualquer assunto. Na realidade, encontramos o “Mundo Christian Dunker“.  Assim, os novos sistemas de IA não vão mais taguear ninguém. Eles vão encontrar a sua “representação digital” e perguntar pra esta representação “qual é o vinho que você gosta?” , “O que acha sobre às olimpíadas?”, etc.

A questão dos dados continua. Quanto mais dados dermos para a IA, mais próximo ela vai chegar do mundo real do que te representa. No entanto, como Lacan mesmo dizia, seria impensável encontrar o mundo “Real” de C. Dunker ou de quem quer que fosse pois, somos sujeitos partidos, a nossa subjetividade ficará sempre de fora do nosso discurso (simbólico). Com isso, teremos de nos contentar em encontrar a melhor representação possível do nosso mundo (por isso a IA também erra…). Daria até para dizer que o grande outro (sistema de coleta de dados) também é partido, pois depende que quem o programou e como os dados são coletados (algo vai ficar de fora…). Então, assim como uma comunicação humana, quem fala, não fala tudo o que quer dizer e, quem escuta, não entende tudo que foi falado. Assim, temos de nos contentar com apenas o melhor “Mundo das ideias” de conseguimos encontrar. Então, o tagueamento não está morto, mas está evoluindo pra algo bem mais interessante. 

Real

Este texto é referente a terceira e última questão do módulo de Lacan, do curso de especialização em Psicanálise.

Esta é a pergunta:

Lacan, no seminário livro X “A angústia” (1962-63), correlaciona o Real ao “-p” (menos phi) do registro Imaginário e o Real ao “Nonsense” do registro Simbólico. Explicite como Lacan extrai esses constructos teóricos sobre Real, no seminário citado. Como o Real pode ser lido como causa para a Subjetividade?

E aqui está a resposta:

Este texto é referente a terceira e última questão do módulo de Lacan, do curso de especialização em Psicanálise. 

Esta é a pergunta:

Lacan, no seminário livro X “A angústia” (1962-63), correlaciona o Real ao “-p” (menos phi) do registro Imaginário e o Real ao “Nonsense” do registro Simbólico. Explicite como Lacan extrai esses constructos teóricos sobre Real, no seminário citado. Como o Real pode ser lido como causa para a Subjetividade?

E aqui está a resposta:

Imaginário, Simbólico e Real

Para facilitar a conversa sobre o Real, precisamos entender o Imaginário e o Simbólico. Não vou me alongar muito pois já existe um post para cada um destes termos aqui. No entanto, aqui vai uma revisão rápida.

O imaginário é composto pelas “imagens” que o sujeito apreende do mundo. Estas imagens vão montar sua personalidade e conceitos de bom, mal, dor, amor, etc. Poderíamos grosseiramente dizer que a tópica do Imaginário é o que permite ao sujeito capturar o mundo. As imagens são coletadas através da lente do sujeito e monta uma “biblioteca” de marcas imaginárias que vão permitir que sujeito tenha sua própria concepção de mundo.

O Simbólico é a transformação destas imagens em linguagem. Normalmente, podemos associar (mas não limitar…) a linguagem falada mesmo, com palavras(significantes) e significados (que distinguem e trazem sentido aos significantes.

O Real seria a terceira grande estrutura de Lacan. Embora seja de extrema importância, talvez seja a mais complicada de ser definida. O Real é o que FALTA (dialética novamente) no imaginário e o que não pode ser expressado no simbólico.

O “-p” (menos ‘phi’)

Acredito que se você está aqui é porque já leu a sessão que explica a tópica do imaginário. Então, já deve ter uma boa ideia sobre o aparato com espelho curvo que Lacan utilizou para explicar como as imagens se formam, com uma parte real e outra imaginária, gerando o repertório de imagens que são apreendidos pelo sujeito. 

Bom, como disse anteriormente, o Real seria o que falta naquela imagem. Ou seja, se considerarmos que o sujeito que observa está vendo uma imagem imaginária, que é composta pela superposição do que realmente existe, em cima do que é suposto(imaginado) pelo sujeito (ou vice-versa), existe um “ruído” nesta superposição que é “aceito” pelo observador como sendo suficiente.

Imagine que vocês chegaram aqui, na minha casa, e é a primeira vez que vocês vieram até aqui. Então, na estante, parece que os livros têm uma folguinha entre eles. É possível tirar alguma conclusão disso? Várias suposições são possíveis: “Pode ser que o Luciano seja desorganizado e não arrumou os livros.”, “Deve estar faltando um livro!”, “Alguém pode ter esbarrado nos livros?”, etc. No entanto, todas estas opções podem estar certar ou erradas. Não é possível dizer com certeza o porquê dos livros estarem daquele jeito.

Não é possível que vocês tenham certeza de que existe um livro faltando, a menos que, anteriormente, vocês tenham visto o livro no lugar.

Com o menos phi, estamos falando exatamente disso. Aquela imagem que foi gerada pelo espelho curvo e que ser tornou imaginária, quando visualizada através do espelho plano, é uma “boa” explicação da realidade, até que algo mude. Este algo que muda/perturba é o “-p” (menos phi).

Um exemplo mais prático poderia ser: 

Você terminou com sua namorada, passou algum tempo e sua vida voltou ao “normal”. É uma realidade aceita que você está solteiro(a) e que tudo está caminhando bem. Você não percebe nada faltando nesta realidade que está sendo projetada no espelho plano. A vida é do jeito que você espera que seja. Aí, em um determinado momento, passa alguém na janela que te chama a atenção. Pronto! Aquela imagem… tranquila… que já estava bem acomodada dentro de você e que te deixava satisfeito(a) parece que ficou distorcida. De repente, parece que tem algo faltando ali. Aparece uma certa angústia que você ainda não sabe muito bem do motivo. Bom, agora você sabe, é o “-p” (menos phi) que se fez perceber.

Então, esta historinha é para ilustrar o que seria o Real. Real, no campo do imaginário, seria esta “alguma coisa” que não está expressa na imagem. Você nem sabe que está ali, mas que, quando é percebida (e não disse vista de propósito pois não pode ser vista…) te lembra da falta. Te lembra de que aquela imagem que você tinha de mundo não estava completa e te faz se mover para tentar encontrar o que está faltando.

O “nonsense

nonsense, seria o Real aparecendo no campo do Simbólico. Parecido com o caso do imaginário, daria para inferir que, já que este “nada” do Real não é visível no imaginário, ele também não pode ser expresso no Simbólico.

Isso seria uma saída bem lacaniana, onde eu poderia dizer que a sessão acabou e que vocês podem ir pra casa pensando nisso. Mas, eu detesto este corte rápido… não tem graça nenhuma aqui no texto 😁. Então, vamos nos aprofundar um pouco mais nisso.

Para ser sincero, eu não encontrei em lugar algum do texto de referência no seminário 11, “Angústia”, de Lacan, a referência a palavra nonsense. Então, estou supondo que aqui o nonsense está relacionado ao “sem sentido” que aparece várias vezes.

Eu acabo vendo este sem sentido com a impossibilidade de expressar algo pela linguagem. Ou seja, para mim, isso ainda é uma segunda fonte de ruído. Imagine que a primeira fonte de ruído está lá nesta transposição da imagem real para a imaginária. Ainda precisamos contar que o sujeito precisa ter repertório de significantes suficientes para espessar o que está nesta imagem. Ou seja, existe a possibilidade de aparecer um sentimento que a pessoa nunca experienciou antes e que nunca percebeu ninguém experienciando nada parecido. Então, por mais angustiante que seja, a pessoa não vai conseguir se expressar, não vai conseguir simbolizar o que está sentindo.

Pra mim, esta falta de repertório da Linguagem seria a evidência do aparecimento do Real dentro no campo Simbólico. É algo que existe, mas que não consegue ser simbolizado. O nonsense (sem sentido) no simbólico seria equivalente ao “-p” (menos phi) no imaginário. Ambos, representando o Real.

Subjetividade

A última parte da pergunta é como o real se coloca como subjetividade do sujeito. Primeiro, vamos entender o que é a subjetividade.

A Subjetividade é a experiência interna do sujeito com suas percepções. Seria o filtro que recebe as imagens e as inscreve no imaginário. Seria a forma que o indivíduo vai escolher esta ou aquela estrutura de palavras para criar as suas frases (cadeias de significantes). Então, para Lacan, daria pra dizer que as deformidades causadas pelo Real no Imaginário e no Simbólico são justamente os pontos que são únicos para cada sujeito. Então, subjetividade é o que faz cada pessoa única.

OK, acredito que o texto até aqui já responde à pergunta que foi feita. No entanto, não vou resistir e vou fazer uma análise extra sobre uma pequena operação “Matemática” que achei no texto “A Angústia, Sinal do Real”, do Seminário 11 de Lacan, “A Angústia”.

Bônus

A | S
——-
a | A
S |

Acho sensacional a ideia de tentar formalizar os conceitos através de matemática, mesmo que matematicamente, a coisas estejam, no mínimo, confusas pro lado do Lacan 😁.

Embora Lacan não faça comentários claros sobre esta fórmula que ele criou (vale lembrar que isso é a transcrição de um seminário, então, talvez ele tenha explicado melhor para o pessoal que estava assistindo e isso não veio para o livro…). Ele apenas diz que é uma operação de divisão. Então, vamos assumir que isso é verdade.

Ele quer dividir o A pelo S. Nesta primeira fase, o A representa o desejo REAL do grande Outro. Para quem nunca leu Lacan, estamos falando aqui de possíveis vontades, tais como: “Quero um café”, “Quero Casar”, “Quero ser rico”, etc. O S é o sujeito REAL, que entenderia tudo que tem a sua volta, inclusive o Outro. Então, ele conseguiria interagir de forma perfeita com todos à sua volta. Não existe qualquer ruído de comunicação entre eles, o S entende tudo e o A sabe exatamente o que quer. Claro, isso é impossível. Por isso, Lacan propõem esta operação de divisão.

Quando dividimos o A (inteiro) pelo S (inteiro), temos como resultado o A (A cortado) e o resto ‘a’ (a pequeno). Esta operação (por isso que não gosto da matemática de Lacan) não existe. Estamos falando de grandezas diferentes, não dá para dividir maçãs por laranjas, da mesma forma não daria pra dividir um Observador por um Observado; seriam grandezas diferentes. Mas, vamos amenizar um pouco a matemática e continuar interpretando o que eu acho que o Lacan quis dizer.

Na segunda linha, o resultado da divisão é o A (A cortado). O A representa o A (A inteiro menos o a), sendo que o a (a pequeno) é o resto da Operação. Então, o que Lacan está dizendo aqui é que o que A transmite para o S é apenas parte do que realmente quer transmitir, é somente o que A sabe (imaginário) e que consegue verbalizar (Simbólico), este conteúdo limitado é o A (A riscado). O REAL é o que sobra, é o resto a (a pequeno).

Agora, na terceira linha, aparece o S (S riscado). Este realmente não tinha motivo algum para estar ali. A divisão matemática acaba com o resultado e o resto! No entanto, creio que Lacan incluiu o S na forma de indicar que quando a mensagem chega para o S (S inteiro), este tem seu próprio filtro de percepção (Imaginário) e suas próprias limitações de linguagem (Simbólico), o que insere a própria subjetividade na conversa. Assim, o S não é mais inteiro, as limitações do S o transformam em S (S riscado).Como eu falei, não faço ideia se é isso que Lacan quis dizer ou não com esta operação “algébrica”. Mas, este é um entendimento que acredito que expressa bem o conceito que ele queria passar.

Simbólico

Este texto é para responder a 2a pergunta da prova final do módulo sobre Lacan, do curso de especialização em Psicanálise. Esta é a pergunta:

O conceito de sujeito do inconsciente está associado ao repertório do campo da fala e da linguagem, a partir dos quais Lacan realiza uma das definições correlacionando Sujeito e Significante, a saber “o significante representa o sujeito para outro significante” (LACAN, 1960c/1998, p. 833). Explicite como Lacan fundamenta o conceito de sujeito associado ao campo da linguagem, costurando a importância do Simbólico e do Inconsciente estruturado como uma linguagem.

E este é o texto de resposta:

Bom, depois de todos os elogios que fiz sobre o texto de Lacan, no seminário um, sobre a “Tópica do Imaginário”, rasguem tudo que escrevi se forem ler os textos do Livro “Escritos” de Lacan. Incrível! Como não encontrei, até agora, um único texto (vou continuar procurando…) que dê pra classificar como amigável neste livro. Para esta resposta, não li nem cinquenta páginas, entretanto, a leitura demorou mais do que o tempo que precisei para ler as mais de cem páginas do texto do seminário um.

Pra não acharem que estou só choramingando, no Escritos de Lacan, vai encontrar pérolas da literatura como esta: “O inconsciente, a partir de Freud, é uma cadeia de significantes que em algum lugar (…) se repete e insiste, para interferir nos cortes que lhe oferece o discurso efetivo e na cogitação a que ele dá forma.” 

Ou, uma proposição algébrica “maluca” como essa:

“Ora, estando a bateria dos significantes, tal como é, por isso mesmo completa, esse significante só pode ser um traço que se traça por seu círculo, sem poder ser incluído nele. Simbolizável pela inerência de um (-1) no conjunto de significantes.”

Desta última ainda sai a definição de um vazio que seria representado pela raiz quadrada de -1, que nem vou comentar, pois ia dar um ataque no coração de todo matemático que lesse este texto 😊.

Mas, vamos lá… tentar deixar a resposta palatável e mais acessível que o texto original. Antes de responder a pergunta propriamente dita, vamos rever alguns termos que são importantes para o contexto.

Significante 

Uma das maiores contribuições de Lacan foi o reconhecimento de que o inconsciente seria estruturado na forma de uma linguagem. Na época de Freud, ainda não existiam estudos muito aprofundados sobre lingüística. Então, pelas descrições de Freud sobre sonhos e o inconsciente, Lacan inferiu que Freud estava tentando expressar, na realidade, que tudo era transmitido e armazenada através de uma símbolos, de uma linguagem.

E aqui, acho que uma forma simples de entender isso seria nos voltarmos para nosso próprio pensamento. Enquanto você está lendo este texto, talvez consiga identificar uma voz na sua cabeça, que aparece “traduzindo” cada palavras que seus olhos estão vendo aqui, para um “áudio” em sua cabeça.

Quando você está pensando e tentando resolver algum problema, este processo não aparece pra você como um filme, ele aparece na forma de uma conversa de você consigo mesmo. Algo como: 

  • Se eu fizer isso, deve acontecer aquilo…
  • Vou tentar esta tal coisa
  • Isso vai dar problema…

Tudo isso é linguagem. É o que permite que seus pensamentos sejam expressados e avaliados, por você mesmo (em um conversa interior) ou por outros (conversa com outras pessoas).

A partir desta descoberta, Lacan começou a rever tudo que Freud escreveu a partir desta nova perspectiva. Para definir o Significante, Lacan se baseou principalmente nas obras de Ferdinand de Saussure.

Então, de forma bem simplificada, o Significante implica em um ou mais significados. O Significante é a palavra em si e a ela podem ser atribuídos múltiplos significados. A velha história da palavra “manga”, que pode ser a manga fruta, manga da camiseta, etc.

Sujeito 

Já discutimos o Significante, então, resta-nos discutir o Sujeito. Para Lacan, o Sujeito é dividido entre a linguagem e o desejo. Ou seja, é o que falta ao sujeito (olha a dialética aparecendo aqui de novo…) e como isso é expressado através da linguagem (afinal, tudo é estruturado na forma de linguagem). 

Ainda me parece uma definição um pouco obscura, do jeito que Lacan gosta 😁. E, se Lacan ia gostar é porque ninguém deve estar entendendo nada… Então, vamos simplificar: Imagine que o sujeito nasceu e passou pelo estádio do espelho, criando o seu imaginário e assim, formou sua personalidade. Começou a estar ciente do vazio que o separa de seu eu-ideal e passou a desejar coisas que podem leva-lo mais perto deste eu-ideal. Tudo isso acontecendo internamente, sem uma única palavra sendo dita.

Se alguém olhar para este sujeito, não fará a mínima idéia do que está passando na cabeça dele. Então, mesmo que este sujeito já tenha alguma noção sobre o que quer da vida e do rumo que quer tomar nela, se ele não colocar isso em palavras (significantes), não vai adiantar absolutamente nada. Se ele não disser ao mundo o porque veio e quais são suas necessidades e intenções, seria como se este sujeito nunca tivesse existido.

Assim, para Lacan, o Sujeito Partido (representado por um S cortado, “S“) é fragmentado em ao menos duas partes, o seu desejo e a linguagem. Vale lembrar aqui, como um parênteses clínico, que em várias situações, a angústia aparece justamente devido a desconexão entre o desejo e a linguagem. Vide o caso do menino Richard descrito por Melanie Klein. Este menino teria um caso de autismo, a evolução do tratamento deste caso vai mostrando a redução da angústia deste menino à medida que Melanie vai apresentando interpretações que vão enriquecendo o “vocabulário” de Richard, para que ele possa elaborar e expressar seus sentimentos. Mesmo que não na forma de palavras, mas de forma lúdica, através de brinquedos.

Então, nosso sujeito é alguém que já tem conhecimento básico de seus desejos e também tem uma forma de se expressar através da linguagem. Esta é a demonstração clara da necessidade do “Simbólico” para Lacan. O Simbólico é justamente a Linguagem, que permite ao sujeito a expressão de seus desejos e demandas, elaboradas com o imaginário.

“O Significante representa o sujeito para outro significante”

Agora, finalmente, podemos chegar à interpretação da frase em destaque. Este foi um jogo de palavras que Lacan usou para representar boa parte de sua teoria. 

Primeiro, precisamos entender que o Significante não tem significado próprio. Ou seja, a palavra por si só, não permite que um significado único seja extraído dela. Ele precisa ser sujeito de um outro significante. Ou seja, ele precisa de alguma outra palavra que a defina. Assim, quando fazemos referência ao significante/palavra “Eu”, não podemos dizer, com certeza, sobre quem estamos falando.

Abstraindo um pouco para demonstrar a teoria de Lacan, este “Eu” sozinho não significa nada. Ele depende de um outro significante/palavra que seja encadeado para que ele possa apresentar um sentido/significado. Aqui vão alguns exemplos:

  • “Eu” sou analista de sistemas –> Profissional
  • “Eu” quando estudo psicanálise –> Aluno 
  • “Eu” fui com minha filha –> Pai

Em cada um destes exemplos, estamos vendo um significado diferente para o mesmo significante “Eu”. Olhando por uma perspectiva psicanalítica, podemos dizer que o Sujeito “Eu” só existe quando está atrelado a algum dos outros significantes que foram anexados a ele na cadeia de significantes. Poderíamos até extrapolar esta percepção para uma mascara do ego que se apresenta de acordo com a necessidade. Quando estamos falando com alguém, precisamos olhar cuidadosamente para quem é o “Eu” está presente naquele momento. Pois, o Eu que está ali, depende do Outro com quem estamos interagindo.

Conclusão 

Como esta é um pergunta de um tema bem confuso, vamos tentar resumir o que foi discutido: Lacan define o sujeito como tendo desejos que precisam ser expressados através da linguagem. O sujeito primeiramente tem sua personalidade(definida pelo seu imaginário); esta personalidade gera desejos e demandas que precisam ser expressas através de significantesque, ao serem encadeados em frases, ganham significados. Este tempo em que o sujeito começa a simbolizar seus pensamentos em forma de linguagem é o momento que Lacan define como “Simbólico“. A parte mais interessante é que existe um processamento interno que vai do desejo inicial até a formação da frase final que é proferida (dê uma olhada na sessão grafo do desejo). Neste processo, existe um “ruído” que pode ser desencadeado pelo inconsiente/Real. Ou seja, o inconsciente também é estruturado na forma de linguagem e ele pode, através de repetições e interrupções, entre outras, interferir na formação desta frase final, expondo às vontades inconscientes no discurso do sujeito (está aí a base da associação livre na psicanálise, mas esta história é pra outro capítulo… ). E a angústia, muitas vezes, é causada pela inabilidade do sujeito em encontrar significantes para expressar o que está sentindo.

Como queríamos definir 😁

A tópica do imaginário

Este texto é a reposta à uma pergunta da prova final do módulo sobre Lacan, do meu curso de especialização em psicanálise.

Aqui vai a questão:

No texto “O Estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é revelada na experiência psicanalítica” (1949/1998), Jacques Lacan afirma que “Basta compreender o estádio do espelho como uma identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem […]” (LACAN, 1949, 1998, p. 97 – grifos meus).

Comente o efeito de transformação no sujeito, ao assumir uma imagem, em relação ao conceito de EU, de CORPO e de FANTASIA, a partir do repertório da teoria do estádio do espelho de Jacques Lacan. Como o repertório associado ao campo da Imagem, do Corpo e do Eu delimitam o Imaginário?

E aqui vai a resposta :

Bom, primeiramente, vamos elogiar no momento que o elogio é merecido. Em outros posts, pode ter visto a minha reclamação sobre a didática de Lacan. Para responder a esta pergunta, li cerca de cento e cinquenta páginas do seminário um de Lacan, sobre a “Tópica do Imaginário”. Foi o primeiro texto de Lacan que me senti bem lendo. Recomendo muito este primeiro seminário para quem já leu e ficou perdido com o texto do Estádio do Espelho que aparece no livro “Escritos” ou para quem entendeu e quer confirmar o seu entendimento. Existe material teórico, discussão de caso clínico, diálogos. Achei este texto muito bom mesmo. Vale a pena ser lido.

Dialética

Para começar a resposta, precisamos do conceito básico para dialética. Lacan usa muito este termo em toda a sua obra. Então, de forma resumida, a dialética pode ser pensada como o aprendizado pela diferença. Por exemplo, para eu aprender o que é uma laranja, eu vejo uma fruta nova, que nunca vi antes, a comparo internamente com todas as frutas que eu conheço e entendo que ela NÃO é qualquer uma destas frutas. Então, crio espaço no meu repertório de frutas para esta coisinha redonda e alaranjada que alguém vai me dizer que é uma laranja.

Este termo é muito importante no contexto do imaginário, principalmente para entender o estádio do espelho.

Estádio do Espelho como uma identificação

Lacan descreve três estruturas principais para a sua visão da psicanálise. Imaginário, Simbólico e Real. O Estádio do Espelho é a peça fundamental para o Imaginário. Para entendermos o estado do espelho precisamos imaginar um bebê bem jovem. Imagine que aquela criaturinha não tem qualquer noção de tempo, espaço, não sabe nem porque está ali. Está totalmente desamparado e dependente dos pais. Alguém que não tem consciência nem que aquelas coisas que estão mexendo na sua frente são, na realidade, seus braços e pernas.

Partindo desta ideia, em boa parte desta fase inicial da criança, ela apenas percebe que quando chora, aparece um seio em sua boa e o líquido que entra, de alguma forma mágica, faz aquela sensação ruim na barriga dele (fome) sumir por algum tempo. Teóricos como Melanie Klein dizem que, neste momento, é como se não existisse barreira ali entre mãe e criança. Para o limitado repertório da criança, é como se ela e a mãe fossem um único ser.

Agora, em algum momento, a criança começa a reconhecer estes “bichos” estranhos que estão a sua volta. Existem alguns conjuntos de cores e formas, mais ou menos delimitadas (aí aparece o corpo), que andam de um lado para o outro. Uma destas coisas virá a ser o pai, a mãe, todos os seres externos.

O estádio do espelho é uma metáfora que Lacan usa para o momento que “cai a ficha”. Ou seja, o momento exato em que a criança se olha no espelho e percebe que aqueles seres que andam de um lado para o outro são separados do serzinho que ela acabou de ver no espelho. E, ainda chegou à conclusão de que aquele serzinho que está no espelho é controlado pela sua própria consciência. É o momento em que a criança se percebe como um ser independente, separado dos demais. Ela identificou o seu próprio corpo.

Daí vem então a utilização da dialética por Lacan. A criança percebe que existem outros seres que não são ela. E, consequentemente, aprende que ela tem o seu próprio corpo e que existe de forma independente dos demais. Aprendeu por exclusão, aprendeu por reconhecer que ela NÃO é qualquer uma das outras formas e cores que ela enxergava até ali e que agora ela própria é algo novo. Ela se identificou com a imagem que viu no espelho.

A Transformação 

A partir deste momento inicial de identificação, muitas coisas se transformam na criança. Principalmente, aparece o vazio que a separa dos Outros. Vazio este que começa a ser preenchido com imagens (teoria do imaginário) internas e externas que vão levar a criação de sua personalidade.

Ainda vou escrever uma outra sessão explicando detalhadamente este aparato de espelhos proposto por Lacan para a tópica do imaginário. No entanto, para agora, vamos a uma simplificação do processo para entender a formação inicial da personalidade da criança.

Diagrama, Desenho técnico

Descrição gerada automaticamente

Lacan descreve este aparelho para indicar como a nossa realidade é capturada de elementos reais e imaginários. Na figura acima, a “realidade” seria composta por um vaso com flores que é visto por um observador (neste caso, seria a própria pessoa, vendo sua “realidade”).

Embora a pessoa veja o vaso com flores, neste caso específico, o vaso seria um componente da realidade, pois está ali, disposto em frente à pessoa e as flores estariam vindo de uma imagem que foi gerada pelo espelho côncavo diretamente na retina dos olhos do observador. No desenho, pode verificar que as flores “verdadeiras” estão dispostas na parte inferior do anteparo e são refletidas no espelho, que forma a imagem sobreposta com o vaso, na parte de cima do anteparo, nos olhos do observador.

O importante a saber aqui é que a realidade é percebida através de uma parte verdadeira, mas também por uma parte imaginária, que vem do repertório do observador. Desde a infância, este observador vem sendo bombardeado por informações que vão formando estas imagens, do que são coisas boas, ruins, úteis, divertidas, etc.

A personalidade do sujeito vai aparecer justamente do que foi possível apreender de todo este repertório imagético que lhe foi apresentado durante toda a sua vida. 

Este diagrama inicial, apenas com o espelho côncavo representaria a formação do eu-ideal de Freud. Ou seja, são imagens que vão aparecendo para o sujeito, este vai apreendendo todas as coisas que lhe parecem boas, sem influência externa. Assim, vai aparecendo também o narcisismo primário, onde a pessoa vai focando em si própria para se reconhecer no indivíduo que quer ser para este mundo no qual está inserida.

Agora, existe um segundo diagrama onde Lacan insere um espelho plano nesta representação:

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

No primeiro diagrama, o sujeito está olhando para a sua realidade diretamente do seu ponto focal. O Sujeito olhando diretamente para ele mesmo. Já neste segundo diagrama, o sujeito está olhando para um espelho plano que reflete a realidade que foi produzida pelo espelho côncavo. Pode parecer um detalhe menor, mas é neste ponto que aparece o ideal-de-eu.

Eu-ideal vs Ideal-de-eu

Enquanto o eu-ideal seria a identificação isolada onde o sujeito percebe sua realidade através de suas próprias imagens; o Ideal-de-eu é visto através da reflexão desta realidade no espelho plano. Em um ambiente ideal, sem influência externa, o espelho plano refletiria exatamente o que também seria visto no ponto focal do espelho côncavo, a “realidade” percebida seria a mesma.

No entanto, é no posicionamento do espelho plano que entram os valores externos. Digamos que cada frase do tipo “este bebê vai ser lindo”, “este carinha vai ganhar muito dinheiro pra me sustentar quando eu ficar velho”, “se ele for gay, vou expulsar de casa”, “você nunca vai encontrar alguém que te faça tão feliz quanto a mamãe te faz”, que vem a partir de pessoas importantes para esta criança, vai mudando o posicionamento deste espelho plano. Como a imagem vista pelo sujeito/observador se deforma, de acordo com o ângulo do espelho plano, o sujeito começa então a precisar se adaptar a uma “realidade” distorcida, que não é mais apenas a sua, mas a que lhe foi colocada pelas pessoas que a amam, ou que nem amam tanto assim.

Assim, Lacan mostra brilhantemente a formação do Eu-ideal, que seria a personalidade que seria vista apenas pelo próprio sujeito e que indicaria o tipo de vida e realidade que esta pessoa gostaria de ter. Além do ideal-de-eu, que é uma distorção do Eu-ideal que é criada pela família, leis e sociedade, que indicam o tipo de realidade e vida que as pessoas gostariam de este sujeito tivesse. Boa parte do processo de análise é justamente para auxiliar o analisando a diferenciar o seu eu-ideal do ideal-de-eu, que lhe foi imposto e que, normalmente, causa sofrimento quando estão desalinhados.

Eu, Corpo e Fantasia 

Bom, de certa forma, já tratamos do Corpo e do Eu. O Corpo é o entendimento daquelas formas e cores que, no estádio do espelho se diferenciam entre eles e eu. É a identificação pura de que o sujeito existe e agora ele possui um corpo a ser controlado para interagir com outros corpos no mundo exterior. O Eu seria a personalidade que começa a ser formada pelo Eu-Ideal e o Ideal-de-Eu.

Fantasia é um tópico mais complexo pois ela não é somente um devaneio, ela é uma estrutura proposta por Lacan para fazer a ponte entre o sujeito e o Real. O Real aqui é algo para ser explorado em detalhes mais adiante. No entanto, por agora, basta saber que o Real é aquilo que não pode ser simbolizado, que não pode ser colocado em palavras.

Para o nosso contexto, a Fantasia é o que permite que o Eu encontre sentido para preencher aquele vazio inicial, que apareceu no estádio do espelho. A partir do momento que a pessoa se identifica como separada dos outros, ela começa a perceber que sua existência depende de fatores que não estão sob seu controle. Então, a Fantasia entra justamente para tentar “ligar os pontos”, tentar encontrar formas para sobreviver neste mundo novo como um ser independente.

É a Fantasia que permite que o sujeito tire suas próprias conclusões sobre o que as outras pessoas querem dela. Aquelas frases que mencionei que aparecem para a formação do Ideal-de-Eu são frases que serão escutadas por um sujeito/criança que terá de montar suas próprias conclusões sobre o assunto. Dependendo do quão disposto o aparelho psíquico da criança estiver, ela poderá interpretar estas frases de uma forma ou de outra, é justamente a Fantasia que vai lidar com esta interpretação.

Por isso que, mesmo gêmeos idênticos, criados em um mesmo ambiente, podem ver realidade totalmente diversas. Pois, seus aparelhos psíquicos únicos, com fantasias únicas, poderão levá-los a interpretar a mesma realidade de formas completamente diferentes.

O Amor 

Agora, para encerrar, algo que não está na pergunta inicial, mas que foi a primeira vez que li uma definição um pouco mais fechada sobre o assunto, então, acho que vale a pena mencionar. No texto da “Tópica do Imaginário”, no seminário um de Lacan, ele faz referência ao Amor.

Eu já havia ficado confuso uma vez quanto a isso pois, quando estava lendo “Introdução Clinica à Psicanalise Lacaniana“, de Fink, em determinado momento, ele diz que tal sintoma pode ser tratado com Amor. Eu achei o livro do Fink incrível, foi o meu “estádio do espelho” com relação à clínica psicanalítica, a primeira vez que comecei a entender o que era clinicar (minha formação é em análise de sistemas, então, nunca tive contato algum com a área de saúde mental antes 😁).

Assim, esta menção aleatória de que algo poderia ser tratado com “Amor”, me deixou desconcertado. Por isso, este tema me chamou atenção enquanto eu lia o texto de Lacan sobre o Imaginário.

Para Lacan, o Amor (principalmente o amor à primeira vista) é o que aparece quando você encontra em alguém uma referência imaginária ao seu Eu-Ideal. Não sei mais o que estou assumindo desta fala de Lacan e o que ele realmente quis dizer com isso. Mas, usei minha Fantasia para ajustar isso à minha realidade.

A interpretação que faço disso é que o Amor aparece quando você vê no outro o que falta (a dialética também em entra aí…) em você para que você consiga chegar mais próximo do seu Eu-Ideal. Para o caso da clínica, agora, acho que o que Fink quis dizer quando mencionou que o “Amor” seria o tratamento é que o analista seria a pessoa que auxiliaria o analisando a encontrar as partes que estavam faltando para que ele pudesse identificar e separar o ideal-de-eu do eu-ideal. Que é o que, de fato, importa.

E assim, termina este texto para responder a primeira questão proposta pelo Prof. Dr. Jonas Boni, no curso de Especialização em Psicanálise, módulo de Lacan.

Transferência

🛑Homem Trabalhando

Pra quem está lendo isso, é por que este post ainda está em progresso. Como Lacan é bastante confuso, é bem provável que eu vá e volte várias vezes ajustando este texto. Então, sinta-se à vontade para comentar o que quiser, mas, enquanto este parágrafo estiver aqui, perceba que o texto não está finalizado.

Uma das coisas que mais gosto de Lacan é a capacidade dele “reduzir” suas conclusões a modelos — quase — matemáticos. No entanto, uma das coisas que mais detesto nele e em Freud é a falta de uma escrita clara. Parece que ambos gostam de falar em metáforas e parábolas. A impressão que dá é que ficam tentando se justificar e justificar a existência da psicanálise, mais do que transmitir o conceito que querem transmitir.

A escrita aberta de Freud, que dava margem a trinta mil interpretações de uma mesma coisa, foi estreitada por Lacan para que se pudesse ter uma informação mais clara. Mesmo assim, certa vez, li umas cinquenta páginas do seminário 11 de Lacan, onde ele estaria falando sobre o conceito de “Repetição”, onde não aparece uma única linha dizendo algo como “Repetição é isso, isso e isso”. Não quero cometer este mesmo erro. Mesmo entendo o benefício que a escrita aberta traz, onde eu poderia encontrar justificativas a posteriori para praticamente qualquer questionamento da teoria proposta, eu acho que isso não é nada didático e deixa as coisas muito confusas.

Então, vamos lá, mesmo sabendo que vou estar abrindo o peito para receber dezenas de críticas para minha definição, vou coloca-la de forma fechada:

“Transferência é o nome que dou ao momento da análise em que o analisando fala livremente, sem filtro prévio para com o analista.”

Vale lembrar que o analista e o analisando são duas pessoas que nunca se viram na vida. Que um não tem qualquer motivo racional para confiar no outro. Ainda mais se estiverem no início das sessões e um analisando nunca esteve em uma sessão de terapia antes. Assim, existirão milhares de pontos de resistência nesta conversa. Desde pudor, timidez, desconfiança, etc.

Então, é comum que a conversa comece quase que de forma protocolar. Onde o analisando não sabem bem o que dizer e vão apenas “reclamar” da vida. Então, existirão filtros para esta conversa que a deixarão mais clara, mais lógica, com menos sotaque, etc. Tudo que não queremos em uma sessão de analise.

A psicanálise trabalha com o conteúdo bruto que o inconsciente expressa na fala do analisando. Ou seja, não pode haver qualquer tipo de filtro racional ou bloqueio inconsciente na fala do analisando. Enquanto estes bloqueios estiverem estabelecidos, a transferência não acontece e a análise não anda, ou anda de forma bem devagar, apenas pinçando os pequenos deslises nos discursos do analisando.

Então, o que é esperado é que em algum momento da análise, o analisando se “acostuma” de tal forma com a presença do analista que passa a vê-lo como um “adereço”. Alguém que está ali apenas como facilitador de seu diálogo interno. Neste momento podem começar vários tipos diferentes de Transferência.

Agora sim, podemos expandir este conceito para facilitar o seu entendimento. Aqui estão alguns exemplos:

  • Transferência de repetição:

Uma pessoa que tem mania de perseguição, que fala constantemente que seus amigos ficam fofocando sobre a sua vida, que as pessoas ficam querendo saber da sua vida para poder tirar vantagem, etc. Esta pessoa, em algum momento da analise, passa a desconfiar do próprio analista. Ou seja, começa a repetir o sentimento que tem das outras pessoas para com a pessoa do analista. Desta forma, pode começar a atacar o analista, a questionar seus motivos, em casos extremos, pode até desistir da análise. No entanto, este é o momento mais importante da terapia. É o momento em que a pessoa começa a falar livremente e dá ao analista a oportunidade de ouvir o que o inconsciente da pessoa quer realmente expressar. O manejo adequado dos sentimentos que aparecem durante a transferência é o que pode levar a pessoa a encontrar a paz e a estabilizar sua angustia.

  • Uma transferência Positiva

Neste caso, o analisando idealiza o analista. Seria como se o analista fosse o detentor de todo o conhecimento do mundo, seria a chave mágica para eliminar todos os problemas do analisando. Assim, o analisando tende a buscar demandas do analista na esperança de que realizando-as, encontre sua cura. O desafio do analista, neste caso, é manejar a evolução do analisando para não desenvolver uma dependência excessiva do analista.

  • Transferência Negativa

Aqui o analisando passa a ver na figura do analista os objetos que lhe fizeram mal. São projetados sentimentos de raiva e frustração, normalmente desencadeados devido a sentimentos reprimidos para poder conviver com pessoas de autoridade de sua família ou de seu ciclo social. Pode até mesmo desencadear reações hostis e violentas contra o analista.

  • Transferência Sexualizada

São desenvolvidos sentimentos romântico para com o analista. Que podem ser resultado de uma carência afetiva que acaba sendo preenchida pelas conversas durante a sessão psicanalítica. O manejo destes sentimentos é importante, mais uma vez, para que o analisando possa desenvolver sua vida afetiva fora das sessões psicanalíticas.

E ainda existem várias outras modalidades. O Analista pode ser visto como uma figura parental, pode ser visto como uma figura que vai validar ou não a autoimagem do analisando, etc. No entanto, em todos os casos, como foi definido no início, serão momentos em que a pessoa esquece que está sendo analisada e passa a falar livremente. É a tal da Transferência acontecendo.

Estes momentos são os mais importante da análise pois são neles que as questões centrais aparecem e que também permitem que todos estes sentimentos sejam percebidos e manejados em um ambiente seguro.

Muitos até podem imaginar que isso é parecido com uma conversa entre amigos. Realmente, em um conversa de bar, ou em uma reunião de queijos e vinhos, podem haver muitos momentos de transferência. Mas, na maioria das vezes, esta transferência, ao contrário do que acontece numa sessão de psicanálise, é interrompida. Naquele momento que a pessoa começa a contar algo angustiante e começa a chorar, e que o(a)s amigo(a)s vão acolher (ou tirar sarro) para que a pessoa se recupere rápido, é uma interrupção. É um momento sensível que, em uma sessão psicanalítica, seria potencializado ao invés de interrompido. A ideia é que, em uma sessão psicanalítica, por mais angustiante que seja, a pessoa precisa sentir a totalidade de seus sentimentos, identificando e lidando com o que a incomoda, para que possa falar e elaborar o que está vivendo; ao invés de simplesmente receber o afago e deixar suas queixas de lado.

Então, isso é a Transferência, ela aparece quando o analista se coloca numa posição em que o analisando possa retirar todos os seus filtros e falar livremente para que o inconsciente possa se expressar.